O relacionamento entre o quartzo e microclina estava como o mineral halita: totalmente instável. Bastaria uma solução de ataque ou mesmo uma simples reação de hidrólise para abalar o sistema cristalino daquele decadente amor. A princípio, a paixão entre ambos era como um hábito cúbico: perfeito e tenaz, fazia inveja aos casais mineralógicos daquele diápiro. Agora era como um hábito micáceo: tão frágil que num escorregar de dedos se desfazia.
A razão para essa instabilidade amorosa que nem a série de Goldich poderia explicar eram os boatos de infidelidade do quartzo. A microclina custou a acreditar em tais rumores, mas ao flagrar seu amado silicato olhando com voluptuosidade para uma granada seu mundo caiu. Depois de se acabar em rios de lágrimas iônicas, entrou numa intensa discussão com seu parceiro, que entre uma desculpa esfarrapada e outra deixava sua imagem mais distorcida que a organização interna de um amorfo.
A granada em questão era um almandina, um mineral isométrico que esbanjava sensualidade com sua forte coloração arroxeada. Era praticamente perfeita: suas faces eram tão planas e lisas que mais pareciam esculpidas por um exímio artesão, formando um cristal dodecaédrico único naquela rocha. De certa forma, essas características deixavam a microclina ao mesmo tempo despeitada e atenta, tomando as devidas preucações para que o quartzo não se deixasse levar pelas propriedade físicas e químicas de um tentador silicato.
- Muito bem, quartzo - disse a microclina - eu posso não ser isométrica, mas sou triclínica com muito orgulho. Tenho eixos tortos e desiguais, eu sei disso, mas também tenho uma coisa que aquela "silicata" não tem e nunca terá: um belo par de clivagens! Clivagens estas que arrancam suspiros de muitos feldspatos por aqui!
- Por favor, microclina, poupe-me desse mineralodrama... Não vamos por em pauta hábitos, sistemas cristalinos ou qualquer outra propriedade física ou química! Nada disso vem ao caso! Estou cansado de suas suspeitas ridículas e infundadas. Nossa relação está insustentável: acho melhor acabarmos por aqui mais uma vez!
- Eu te imploro: mais uma vez a separação não! O que há de errado comigo? O meu sistema cristalino? Minha cor verde não te agrada? Ah, já sei! São minha estrias... Eu juro que vou tirá-las, farei um processo de exsolução ou qualquer outra coisa, mas por favor, não se vá! Eu te amo!
Quando o quartzo fez menção de responder à microclina, um forte tremor de terra abalou o diápiro, fraturando-o em uma de suas laterais. Um enorme bloco rochoso despencou de um formação, dispondo-o bem em frente a ele. Depois de um ruído grave proveniente do terremoto, aquele local ficou em profundo silêncio. A dinâmica interna da Terra tinha reservado um novo destino para aqueles minerais...
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